quinta-feira, 26 de abril de 2012

A neve

"Batem leve, levemente,
como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
e a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate assim levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento, com certeza

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a nãao viaa!
E que saudade, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo  da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça ,
na brancura do caminho...

Fico olhando  esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
de uns pèzinhos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa ainda vê-los,
primeiro bem definidos,
-depois em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos...enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!
Porque padecem assim?!

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
-e cai no meu coração."
   (Augusto Gil)