domingo, 2 de setembro de 2012

António Aleixo-Poeta Popular-Este Livro que vos Deixo-(1899-1949)

"Tudo o que sou, sou sem querer;
Vivo com hipocrisia...
E vou de mal a pior...
Porque o mundo me faz ser
Aquilo que não queria
Se o mundo fosse melhor.


Não julgues pela má fama
Nem pelas cores piores;
A terra da cor da lama
É que dá frutos melhores.


Por que a mentira te agrade
Não me deves obrigar
A ocultar a verdade
E a mentir p'ra te agradar.


É menos parvo, a meu ver,
O que  é,  sem que se veja,
Do que aquele que, sem o ser
Se faz parvo, sem que o seja.


Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!


A morte é aborrecida...
Mas merece simpatia
Porque sem a morte , a vida
Nem sequer vida seria!


A pedra branca polida,
Que mói o trigo, indiferente,
É como a roda da vida
Que mói a vida da gente.

Tu ainda não reparaste
Que o bom , num perfeito grau,
Sem ter o mau por contraste,
Não seria bom nem mau?...


Só um peito cheio de amor,
Só uma alma assim boa,
Sente a dor que outros magoa
Como a sua própria dor!


O mundo só pode ser
Menos mau, menos atroz
Se conseguires fazer
Mais p'los outros que por nós.


É rir enquanto apetece,
Que nós aqui não choramos;
Enquanto a gente ri, esquece
A razão por que cá estamos.


Contigo em contradição
Pode estar um grande amigo;
Duvida mais dos que estão
Sempre de acordo contigo."