domingo, 28 de agosto de 2011

O Mostrengo


O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?
E o homem do leme disse tremendo:
El-Rei Dom João II!


De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso:
Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?
E o homem do leme tremeu e disse:
El-Rei Dom João II!


Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse ao fim de tremer três vezes
Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que éteu
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade que me ata ao leme,
De El-Rei Dom JoãoII!



(Fernando Pessoa-Mensagem)